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Natacao paralímpica

30/04/2018 16h36

Ninguém Nasce Campeão

Phelipe Rodrigues: a persistência como mantra cotidiano

Atleta da natação paralímpica é mais um personagem da série que investiga o que faz de um atleta um ídolo. Desde 2008 ele persegue o ouro paralímpico. Próxima parada: Tóquio 2020

 

Enquanto eles reclamam do sol
Eu treino
Enquanto eles reclamam da chuva
Eu treino
Enquanto eles reclamam do cansaço
Eu treino
Enquanto eles reclamam da dor
Eu treino
Enquanto eles reclamam de levantar cedo
Eu treino
Enquanto eles reclamam por dormir tarde
Eu treino
Enquanto eles reclamam do treino
Eu treino
Ao fim, enquanto eles lamentam as derrotas,
eu celebro a minha conquista

O trecho acima está impresso numa camisa que Phelipe Rodrigues, de 27 anos, gosta de ter por perto sempre que possível. É uma espécie de mantra na carreira do sete vezes medalhista na natação em Jogos Paralímpicos. Um convite ao entendimento de que o esforço diário exigido de um atleta de alto rendimento faz sentido lá na frente.  

“Foi um amigo e irmão chamado Julio que me deu. A gente se conheceu em um treinamento de altitude no México, em 2010. Sempre levo ela para incorporar a essência da mensagem. Quando você treina e faz tudo direitinho, naturalmente na competição as coisas acontecem mais facilmente”, diz o especialista nas provas mais rápidas da modalidade, que tem no currículo cinco pratas e dois bronzes em Paralimpíadas.

Phelipe é mais um personagem da websérie Ninguém Nasce Campeão, do rededoesporte.gov.br. Os 17 vídeos e 21 entrevistas resgatam momentos em que os atletas ainda não sabiam que teriam a projeção e o destaque que alcançaram, e busca o que foi essencial para que a caminhada desse certo.

Phelipe Rodrigues durante os Jogos Rio 2016: quatro pódios. Foto: André Motta/Heusi Action
"O maior desafio era lidar com o preconceito. Até sem malícia, os colegas viam que minha perna e meu pé eram diferentes e apontavam"
Phelipe Rodrigues

Paixão pela terapia

Pernambucano de nascença, ele encontrou as piscinas, de início, por indicação terapêutica. “Meu pé direito era igual ao do Curupira, virado para trás. Quando nasci, fiz a cirurgia para colocar na posição normal e, no processo de recuperação, tive infecção hospitalar, o que agravou a deficiência. Hoje, meu pé esquerdo é 41 e o direito, 35. Há uma grande diferença entre uma panturrilha e outra, e uma diferença de força e de equilíbrio”, explica. “Tentei todo tipo de esporte, como futsal, vôlei, basquete e handebol, mas sempre voltava para a natação. Estava sempre tentando buscar coisas novas”, recorda.

No início da adolescência, mudou-se com a família para João Pessoa (PB) e tentou se fixar na natação. Na mesma medida em que tinha motivos para celebrar os resultados nas piscinas, acabou se retraindo em função de preconceitos. “Eu treinava com pessoas sem deficiência. Fui campeão paraibano, representei o estado no Norte-Nordeste e cheguei a ficar entre os três melhores em competições nacionais, mas o maior desafio era lidar com o preconceito. Você pode até olhar para mim e não ver nada, mas quando criança você fica tímido, medroso. Até sem malícia, os colegas viam que minha perna e meu pé eram diferentes e apontavam. Eu ficava chateado, tinha vergonha de olhar no rosto de uma menina”, recorda.

A médio prazo, contudo, o efeito foi diverso e benéfico para o atleta. “Ironicamente, acabei amando a natação, na qual eu tenho de ficar de sunga, mostrando o corpo inteiro. Isso ajudou a me amadurecer, a me conhecer, a me aceitar. Na época eu não sabia que poderia competir no paradesporto”, explica Phelipe.

Obsessão por ser o número um, o recordista, o melhor. Foto: Alexandre Urch/MPIX/CPB

Em 2008, um amigo da família sugeriu ao pai de Phelipe a possibilidade de integrar o jovem ao desporto paralímpico. “Meu pai ficou receoso. Não sabia como eu ia lidar. Esperou dois dias para amadurecer a ideia e chegou para mim. ‘Phelipe, por que você não tenta participar das Paralimpíadas, para pessoas com deficiência?’. Ele falou ao lado do com meu técnico, e acrescentou: ‘Pensa direitinho, não quero que você se sinta ofendido’. Mas respondi na hora: "Vamos". Meu pai e meu técnico ficaram meio sem reação”, brinca.

A verdade é que Phelipe não acompanhava nem entendia o esporte paralímpico até então. “Eu nem sabia que existia. Na época, a divulgação era pouca. Hoje, cresceu uns 1000% em relação há dez anos. Mas apareceu a oportunidade e agarrei. E naquele ano acabei participando de minha primeira Paralimpíada. E consegui duas pratas”, recorda, em referência às provas dos 50m e 100m livre da classe S10 em Pequim, na China.

O convívio no ambiente paralímpico serviu, ao mesmo tempo, como injeção de auto-estima de de auto-aceitação. “Tive um choque de realidade. Quando era mais novo ficava me lamentando daquilo que tinha e era uma coisa mínima. Quando você entra de verdade no ambiente paralímpico e vê pessoas em cadeiras de rodas, com braço faltando, perna faltando, cegos, vários tipos de deficiência, você pensa: o que estou reclamando, o que estou lamentando? Foi importante para meu amadurecimento”, avalia.

O primeiro ouro em Mundiais veio em 2017, em grande estilo, no torneio disputado no México. Foto: Daniel Zappe/CPB/MPIX
"Se você quiser ser um campeão naquilo que você quer, você precisa de construir. Essa construção é com suor (embora a gente não sue propriamente na água), dedicação, sacrifício, rotina, vontade e incentivo"
Phelipe Rodrigues

Longo prazo

A partir da China, Phelipe estabeleceu como meta o ouro em competições de grande porte. Uma longa caminhada que só se concretizou quase dez anos depois. “Eu não sabia como era a rotina, os sacrifícios, o que teria de abdicar. Tive de reestruturar a vida inteira em prol da natação e do esporte. Em 2009, saí de casa e fui morar no Rio. Morei na Inglaterra e atualmente estou em São Paulo, sempre em busca de estrutura. Meu primeiro Mundial foi em 2010. Vim ser campeão só em 2017. Ficava triste? Claro que ficava. Nunca dava certo na hora certa. São muitas batalhas, muitas quebras de paradigma. Muitos dizem que não vai dar certo, que você não consegue. Mas aí vem de você querer ou não fazer a diferença", diz. 

"No Mundial de 2017, consegui o que tanto queria depois de várias Paralimpíadas, três no caso, e outros Mundiais. Era sempre na trave. Fico triste, mas ainda mais motivado para Tóquio (2020). Quero chegar lá na melhor forma. Quero o ouro. Quero ser recordista paralímpico. Vou fazer tudo o que tiver que fazer para chegar lá”.

A receita, ele indica, está na construção. “Se você quiser ser um campeão naquilo que você quer, você precisa de construir. Essa construção é com suor, dedicação, sacrifício, rotina, vontade e incentivo. Incentivo tanto financeiro quanto familiar. O familiar, no meu caso, é de suma importância”, lista.

Ainda que o ouro em Jogos Paralímpicos continue na lista desejos, a vivência dos Jogos Rio 2016 ocupa lugar de destaque na trajetória do velocista. “Quando comecei a participar de campeonatos internacionais, nunca imaginei que teria essa oportunidade. A única coisa que queria quando soube que seria aqui era ganhar. Mas, antes de mais nada, queria medalha. E ganhei quatro. Foi a melhor participação em Paralimpíadas da minha vida, com duas pratas e dois bronzes. Foi um sonho”, define.

Uma prova, em especial, ele guarda com carinho: os 50m livre. Quatro anos antes, em Londres, ele tinha um dos melhores tempos do mundo e era candidato claro ao ouro, mas acabou fora do pódio, em quarto. “Foi uma decepção enorme: eu esperava demais. Então, aqui no Rio, era para mostrar para mim mesmo o quanto me preparei desde Londres. Sou difícil de chorar, de me emocionar, mas não me contive. Chorei horrores. Por isso essa daqui é a medalha que mais odeio e mais amo. Mais odeio porque foi quase um ouro, mas a que mais amo por tudo o que significou”, encerra.

Gustavo Cunha, rededoesporte.gov.br