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Tenis de mesa

05/06/2018 04h04

Cochabamba 2018

Nunca dois ouros foram tão "em equipe" quanto os do tênis de mesa na Bolívia

Náusea, falta de ar, lesão e altitude foram adversários tão fortes quanto os rivais na saga dos brasileiros para confirmar o topo do pódio nos Jogos Sul-Americanos

Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018

Tem títulos que são especiais porque o adversário é competitivo. Há conquistas que têm mais significado porque exigem superação física. Existem situações em que vale mais a vitória, mesmo sem jogar bem. Tem outras em que o grupo compensa performances individuais aquém do esperado. E há situações em que o ouro tem o sabor de confirmar, sob pressão, o favoritismo de um time.

Difícil é uma "conjunção astral" que permita que todos esses elementos ocorram de uma só vez. Difícil, sim, mas foi esse o resumo do bastidor das duas medalhas de ouro por equipes conquistadas pelo tênis de mesa brasileiro. As duas primeiras finais da modalidade nos Jogos Sul-Americanos foram disputadas contra o Chile, no Coliseu Evo Morales, em Cochabamba, nesta segunda-feira (04.06). O masculino venceu por 3 x 0 e o feminino, por 3 x 2. Os números sozinhos, porém, são bem imprecisos para essa narrativa.

Equipes masculina e feminina reunidas na celebração: títulos 'unificados' pelo Brasil. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Pela relevância no cenário internacional, o Brasil é sempre visto como favorito no continente. Mas há na Bolívia uma coleção de "poréns". A altitude de 2.500m em Cochabamba torna a bolinha mais imprevisível, leve e rápida do que os atletas estão habituados. "Nesse cenário, o jogo tático é importante. Muda o jeito de bater na bola, de sacar, de receber, de se posicionar", disse Hugo Hoyama, técnico da seleção feminina.

"Nós precisamos de atletas que, quando se veem em adversidade, são capazes de se adaptar. Uma situação extrema como essa não vamos encontrar em nenhum lugar mais"
Francisco Arado, o Paco, técnico da seleção masculina

A altitude gerou ainda desconfortos físicos. Lin Gui sentiu fortes dores de cabeça e indisposição. Nos intervalos dos jogos, busca com frequência a máscara acoplada ao cilindro de oxigênio para tentar se sentir menos ofegante e desconfortável. "Infelizmente não estou conseguindo fazer meus jogos. Além de falta de ar, sinto tontura. Fico um tempão no oxigênio. Não é uma coisa normal, mas tenho de seguir brigando", disse a atleta.

Em Eric Jouti, o desconforto se materializou em ânsias de vômito pela manhã. O atleta melhor ranqueado do Brasil na competição (85º) foi até escalado como terceiro elemento na semifinal contra a Argentina, para ver se dava tempo de um remédio para náuseas surtir efeito. 

A semifinal, aliás, foi uma batalha em cinco longos jogos em que a eliminação pairou no ar. Vitor Ishiy e Thiago Monteiro venceram as duas primeiras partidas individuais com dificuldade. Jouti acabou derrotado por Horacio Cifuentes por 3 a 1 e a dupla entre ele e Thiago também foi superada. Assim, coube a Vitor Ishiy, 21 anos, decidir a vaga na final contra o experiente Pablo Tabachnik, de 40. Com muita dificuldade nas recepções, Vitor só conquistou a vitória no quinto set pela diferença mínima: 12 x 10.

"Foi bem difícil se acostumar, mas isso não é desculpa, porque é para todos. A equipe lutou contra todas as dificuldades. Começamos mal no torneio, conseguimos nos reerguer e isso fez a gente ficar mais forte. É isso uma equipe. Tem de soltar o grito, vibrar mesmo. Estou até rouco. É o clima. Não pode ficar tímido", disse Vitor, numa referência, também, à primeira partida do torneio, que o Brasil perdeu para a Venezuela, ainda na fase de grupos. Na sequência, o Brasil venceu o Peru e avançou à semifinal.

Bruna recebe atendimento médico por lesão durante a partida, e Lin Gui sofre os efeitos da altitude: superação. Fotos: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Bolinha retrô

Houve ainda, nesses primeiros dias, o desafio de decifrar a bolinha. O tipo adotado pelos organizadores é diferente do que vem sendo usado nos últimos três anos em competições internacionais. "É uma bola que não se usa desde 2015, mas não posso reclamar. Aqui, essa é a proposta: que eles passem por esse tipo de experiência e construam o caráter deles como jogadores. Nós precisamos de atletas que, quando se veem em adversidade, são capazes de se adaptar. Uma situação extrema como essa não vamos encontrar em nenhum lugar mais", disse Franciso Arado, o Paco, técnico da seleção masculina.

"Nós fomos fortes mentalmente em momentos difíceis. Fico feliz porque a gente chegou ao título e cada um teve sua contribuição"
Thiago Monteiro

Na decisão contra o Chile, no início da noite, Eric, Thiago e Vitor conseguiram atingir um nível de performance bem próxima da que estão acostumados. Com isso, conseguiram superar em três jogos o forte time chileno, composto por Gustavo Gómez, Felipe Olivares e Juan Lamadrid. "Acho que na final consegui fazer meu jogo. Entrei concentrado, focado. Mesmo nessa altitude, deu tudo certo. A gente fica mais feliz e motivado para a sequência do torneio", afirmou Jouti.

"Nós fomos fortes mentalmente em momentos difíceis. Fico feliz porque a gente chegou ao título e cada um teve sua contribuição. Na final, todos jogaram bem e é importante que todos participem de forma ativa. Todos têm de se sentir campeões", completou Thiago Monteiro.

Vitor Ishiy: vibração em alta para vencer os rivais e as adversidades do torneio na altitude. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Lesão de Bruna, fator Jéssica

No feminino, a decisão teve ares de jogo de xadrez. Na abertura do confronto, Bruna Takahashi bateu Daniela Ortega por 3 sets a 2. Nas duas partidas seguintes, porém, Lin Gui não conseguiu atuar bem. Perdeu no individual para Paulina Vega, número 75 do ranking mundial, por 3 sets a 0, e nas duplas, ao lado de Jéssica Yamada: 3 a 1 para Paulina Vega e Judith Morales.

"Quando vi a Bruna, mesmo com dores, e a Lin Gui, mesmo passando mal, lá atrás gritando e vibrando comigo, eu fiquei mais forte e isso levou a gente à vitória"
Jéssica Yamada

Assim, Bruna Takahashi entrou pressionada diante de Judith Morales. Se perdesse, a vitória geral no confronto seria chilena. Bruna não se abalou. Abriu 2 sets a 1 e parecia caminhar para fechar o jogo, mas entrou em cena um ingrediente imponderável: Bruna escorregou quando disputava um ponto no quarto set e caiu com as pernas muito abertas. A atleta sentiu fortes dores na virilha e precisou de atendimento médico. Voltou e fechou a partida em 3 sets a 1. "Consegui jogar mais simples e fazer os pontos necessários. E acho que isso acabou motivando a Jéssica, que jogou muito bem depois", avaliou Bruna.

De fato, Jéssica Yamada teve tranquilidade para conduzir o jogo contra Daniela Ortega, e fechou em 3 sets a 0 a partida e o duelo contra o Chile em 3 x 2. "O forte do nosso time é isso: uma está sempre apoiando a outra, sempre lutando juntas. Quando vi a Bruna, mesmo com dores, e a Lin Gui, mesmo passando mal, lá atrás gritando e vibrando comigo, eu fiquei mais forte e isso levou a gente à vitória", afirmou Jéssica.

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Jéssica fez jogo tático preciso na partida que deu o título feminino por equipes ao Brasil. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

"No fim das contas, tudo isso foi importante para elas saberem que têm esse poder de superação. Sempre que a gente disputou torneios com essa união, tivemos bons resultados. Aqui é um primeiro passo para o Pan e para os Jogos Olímpicos de 2020", afirmou Hugo Hoyama. Os atletas brasileiros ainda disputam os torneios individuais, de duplas, e duplas mistas em Cochabamba.

Confira galeria de fotos das competições por equipe do tênis de mesa. Imagens disponíveis para download (uso editorial gratuito)

Tênis de Mesa - Competições por equipe - Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018

 

Gustavo Cunha, de Cochabamba, na Bolívia, rededoesporte.gov.br