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Geral

18/10/2018 16h02

Buenos Aires 2018

Igualdade de gênero: uma luta histórica que encontrou acolhida nos Jogos da Juventude

Pela primeira vez uma edição olímpica teve exatamente o mesmo número de atletas homens e mulheres. Conquista do espaço feminino no esporte, contudo, segue como desafio

Qual menina nunca pediu para participar de uma partida de futebol com amigos e, como resposta, ouviu: "Não, você é mulher"? A luta feminina por espaço no meio esportivo não é um pleito atual. A primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Atenas, 1896, contou apenas com a participação de homens. Quatro anos depois, em Paris 1900, elas puderam competir pela primeira vez. No entanto, entre 997 atletas, somente 22 eram mulheres (2,2%). Na ocasião, elas disputaram tênis, vela, croquet, hipismo e golfe, sendo que apenas o tênis e o golfe contavam com eventos exclusivamente femininos.

Revezamento brasileiro em Buenos Aires. Provas mistas são uma nova tendência no programa olímpico. Foto: Danilo Borges/rededoesporte.gov.br

Ao longo dos anos, a presença de atletas mulheres nas competições esportivas tem aumentado significativamente, mas foi apenas agora, em 2018, que uma edição olímpica contou exatamente com o mesmo número de homens e mulheres. Nos Jogos Olímpicos da Juventude de Buenos Aires, na Argentina, foram 4.012 atletas: 2.006 homens e 2.006 mulheres, todos com idades entre 15 e 18 anos, de 206 países, que competiram em 36 modalidades. Na edição anterior, em Nanquim 2014, a participação feminina havia registrado o recorde de 49%. "Estes foram os Jogos com mais mulheres e mais inclusivos em relação a qualquer edição anterior, não apenas da Juventude”, afirmou o presidente do COI, Thomas Bach, na entrevista coletiva de encerramento do evento. 

"Ainda há muito trabalho. Precisamos seguir rompendo com a ideia de que há esportes para homens e outros para mulheres. Há várias coisas que transcendem a igualdade numérica"
Silvina Szejnblum, gerente do programa cultural de Buenos Aires 2018

"Os Jogos da Juventude têm um enfoque mais amplo, uma ideia mais integral, de não ter só os valores esportivos, e isso faz com que seja mais fácil o trabalho com os jovens", afirmou Silvina Szejnblum, gerente do programa cultural da competição, o Learn and Share (Aprenda e Compartilhe, em tradução livre). "É um caminho que vamos conquistar porque mudanças estão sendo feitas, mas são mais fáceis entre os jovens. Para eles, essa diferença já não é natural", pondera. A iniciativa promoveu atividades educativas com os atletas na Vila Olímpica, como palestras sobre violência, igualdade de gênero e sexualidade.

Para enfatizar esse objetivo na edição argentina do megaevento, várias ações apontaram para a questão da igualdade: desde banheiros mistos no Parque Olímpico até a pira olímpica sendo acesa, ao mesmo tempo, por um homem e uma mulher (o velejador Santiago Lange e a judoca Paula Pareto), na Cerimônia de Abertura realizada na Avenida 9 de Julho, na altura do Obelisco, no último dia 6.

"Esse é um processo longo. É uma luta para ampliar os direitos e a participação de gênero", destaca Silvina. "No programa educativo e cultural, acreditamos que é um trabalho que transcende os números. Precisa ser transversal, que também seja visto em várias situações: de violência, de igualdade de oportunidades e no estímulo e apoio aos atletas. É algo que vai além dos números, o que já é uma grande conquista, mas precisamos seguir trabalhando para que seja uma questão mais integral, não apenas de quantidade", alerta.

Compromisso olímpico

Se na versão juvenil das Olimpíadas a meta numérica já foi atingida, o mesmo não foi visto ainda na competição adulta. Contudo, mesmo sem registrar o percentual de 50% para cada lado, as duas últimas edições dos Jogos Olímpicos tiveram marcos importantes. Em Londres 2012, 44% dos atletas eram mulheres, um percentual que se torna ainda mais expressivo ao ser comparado, por exemplo, aos 23% de Los Angeles 1984 ou aos 13% de Tóquio 1964.

Uma das recomendações de um projeto lançado pelo COI em 2017 é que nos Jogos de Paris 2024 exista o mesmo número de vagas para homens e mulheres e a mesma quantidade de disputas por medalhas

Com a inclusão do boxe feminino, a Olimpíada britânica teve ainda a característica de que, pela primeira vez, as mulheres competiram em todos os esportes do programa. Já no Rio 2016, a participação feminina chegou ao seu recorde: 45,2% (de 11.444 atletas, 5.176 eram mulheres). Para Tóquio 2020, está previsto que 48% dos competidores sejam mulheres. "Trabalhar pela igualdade de gênero é uma das nossas principais metas", afirmou o diretor executivo do Comitê Olímpico Internacional (COI), Christophe Dubi, em uma coletiva de imprensa na Argentina.

A igualdade de gênero está entre os compromissos assumidos pela Agenda 2020, um roteiro estratégico do COI para o movimento olímpico. O documento, que trata sobre candidaturas, ética e dopagem, entre outros tópicos, prevê a promoção da mulher no esporte. Já em um projeto lançado pela entidade em 2017 especificamente sobre a questão de gênero, uma das recomendações é que em Paris 2024 exista o mesmo número de vagas para homens e mulheres, e a mesma quantidade de disputas por medalhas.

Se dentro das competições ainda existe disparidade numérica, a situação é mais alarmante na parte operacional do esporte: apenas 26,7% do Comitê Executivo do COI é composto por mulheres. Quando o recorte é de comitês olímpicos nacionais, o percentual cai para 19,9%. Os dados de 2015, disponíveis no site oficial da entidade internacional, mostram ainda que, na época, apenas quatro federações internacionais tinham uma mulher como presidente.

Tiro com arco foi pioneiro na inclusão feminina: desde 1904. Foto: COI

Evolução

A presença das mulheres nas modalidades olímpicas foi gradativa. No tiro com arco, por exemplo, elas puderam competir a partir de 1904. Já no badminton e no judô, apenas em 1992, enquanto o wrestling só teve disputas femininas em 2004, e o boxe, em 2012.

Aumentar o número de eventos femininos, dentro dos esportes do programa olímpico, tem sido, nos últimos 20 anos, uma iniciativa do COI, ao lado das federações internacionais e dos comitês organizadores, para ampliar a representatividade das mulheres nos Jogos. Desde 1991, todos os esportes que pleiteiam espaço no programa olímpico precisam incluir eventos femininos.

Além disso, para os Jogos de Tóquio 2020, foram inseridas provas mistas, como o revezamento 4 x 400m no atletismo, o 4 x 100m medley na natação e a disputa por equipes mistas no judô. A decisão foi tomada em junho do ano passado, quando o Conselho Executivo do COI aprovou também, na Suíça, a entrada do basquete 3 x 3 e do BMX Freestyle ao programa olímpico. Assim, o número de eventos mistos dobrará de nove, no Rio 2016, para 18 no Japão.

"Como mulher, acho isso incrível. Batalhamos tanto quanto os homens, e perceber essa igualdade, ver que está aumentando o número de mulheres participantes de todos os esportes, me dá forças"
Eduarda Rosa, judô

Um mundo melhor

A judoca Eduarda Rosa, medalhista de bronze em Buenos Aires, comemora a igualdade de gênero que encontrou na competição argentina. "Como mulher, acho isso incrível. Batalhamos tanto quanto os homens, e perceber essa igualdade, ver que está aumentando o número de mulheres participantes de todos os esportes, me dá forças, e acredito que dá forças para todas as mulheres, para a gente batalhar pelo que é nosso", afirma a atleta de Canoas (RS).

A argentina Luciana Aymar, considerada uma das melhores jogadoras de hóquei de todos os tempos e quatro vezes medalhista olímpica, exaltou os números da competição juvenil. "Estamos tentando construir um lugar melhor para as mulheres, então isso me parece importante para o nosso gênero. Não era assim no passado e isso significa que as mulheres estão experimentando outras coisas e tendo mais oportunidades, então estou feliz com isso", disse a embaixadora de Buenos Aires 2018 durante uma coletiva de imprensa, no Parque Olímpico da Juventude.

Para a gerente Silvina Szejnblum, o trabalho está apenas começando. "A mudança da mentalidade está permitindo que as mulheres se expressem e se sintam mais seguras em defender seus direitos, mas ainda há muito trabalho. Estamos no início. Precisamos seguir trabalhando e rompendo com essa ideia de que há esportes para homens e outros para mulheres, de que as mulheres devem escolher um tipo de profissão, e os homens, outras. São várias coisas que transcendem a igualdade dos números", defende.

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O atletismo feminino passou a integrar o programa olímpico em 1928. Foto COI

A entrada das mulheres no esporte em Jogos Olímpicos:

1900: Tênis e golfe
1904: Tiro com arco
1908: Tênis* e patinação
1912: Esportes aquáticos
1924: Esgrima
1928: Atletismo e ginástica
1936: Ski
1948: Canagem
1952: Hipismo
1964: Vôlei e luge
1976: Remo, basquete e handebol
1980: Hóquei
1984: Tiro esportivo e ciclismo
1988: Tênis*, tênis de mesa e vela
1992: Badminton, judô e biatlo
1996: Futebol e softball
1998: Curling e hóquei no gelo
2000: Levantamento de peso, pentatlo moderno, taekwondo e triatlo
2002: Bobsled
2004: Wrestling
2012: Boxe
2016: Golfe* e rúgbi

*Esportes que foram reintroduzidos ao programa olímpico
Fonte: COI

Participação das mulheres nas edições olímpicas:

Ano Modalidades olímpicas % de mulheres
1900  2 2,2
1904  0,9%
1908 1,8%
1912 2,0%
1920 2 2,4%
1924 3 4,4%
1928 4 9,6%
1932 3 9%
1936 4 8,3%
1948 5 9,5%
1952 6 10,5%
1956 6 13,3%
1952 6 10,5%
1956 13,2%
1960 6 11,4%
1964 7 13,2%
1968 7 14,2%
1972 8 14,6%
1976 11 20,7%
1980 12 21,5%
1984 14 23%
1988 17 26,1%
1992 19 28,8%
1996 21 34%
2000 25 38,2%
2004 26 40,7%
2008 26 42,4%
2012 26 44,2%
2016 28 45%
Fonte: COI

Mudanças feitas pelo COI para Tóquio 2020:

Atletismo: Inclusão do revezamento 4x400m (misto)
Basquete: Inclusão do 3x3 (masculino e feminino)
Boxe: Mudança de dois eventos masculinos por dois femininos
Canoagem: Mudança de três eventos masculinos por três femininos
Ciclismo BMX: Inclusão do Freestyle (masculino e feminino)
Ciclismo Pista: Inclusão do Madison (masculino e feminino)
Esgrima: Inclusão da disputa por equipe (masculino e feminino)
Judô: Inclusão da disputa por equipes (mista)
Natação: Inclusão dos 800m (masculino), 1.500m (feminino) e revezamento 4x100m medley (misto)
Remo: Mudança de um evento masculino por um feminino
Vela: Mudança de uma categoria mista
Tiro com Arco: Inclusão da disputa por equipes (mista)
Tiro Esportivo: Mudança de três eventos masculinos para eventos mistos
Tênis de Mesa: Inclusão das duplas mistas
Triatlo: Inclusão do revezamento por equipes (misto)
Levantamento de Peso: Redução de uma categoria masculina
Fonte: Comitê Olímpico do Brasil (COB)

Ana Cláudia Felizola, de Buenos Aires, na Argentina – Rededoesporte.gov.br