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08/11/2018 10h08

INCENTIVE SONHOS

Com recursos da Lei de Incentivo ao Esporte, projeto transforma indígenas em atletas do tiro com arco e já mira Tóquio 2020

Em Manaus, Projeto Arquearia Indígena já revelou atletas que subiram ao pódio em mais de 30 competições nacionais e internacionais e que estão sendo preparados para tentar defender o Brasil nos próximos Jogos Olímpicos, no Japão

Aumentar a autoestima dos povos indígenas da Amazônia, contribuir para a formação de atletas de alto rendimento e fortalecer a equipe brasileira de tiro com arco para competições locais, nacionais e mundiais, incluindo os Jogos Olímpicos. Esses são os principais objetivos do projeto Arquearia Indígena, que funciona em Manaus-AM e desde 2015 utiliza recursos da Lei de Incentivo ao Esporte.

Atualmente, cinco atletas e um coordenador técnico treinam diariamente na Vila Olímpica de Manaus e despontam entre os melhores do Brasil e da América do Sul. A equipe já conquistou mais de 30 medalhas em campeonatos brasileiros, sul-americanos e em competições internacionais.

Os atletas do projeto Arqueria Indígena. Fotos: Rafael Brais/rededoesporte.gov.br

O projeto é uma iniciativa da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e conta com a parceria do Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado da Juventude, Desporto e Lazer do Amazonas (Sejel), da Federação Amazonense de Tiro com Arco (FATARCO) e tem apoio da Confederação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam) e da Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (SEIND).

Os atletas contemplados pelo projeto mudaram de suas comunidades indígenas para morarem e treinarem na Vila Olímpica de Manaus. É que lá que vivem hoje Drean Braga (nome indígena Iagoara), Gustavo Santos (Ywytu), Graziela Santos (Yaci), Nelson Silva (Inha), Jardel Cruz (Wanaiu). Graziela e Gustavo são da comunidade Nova Canaã e da etnia karapana, e Nelson, Jaredel e Drean são da comunidade Três Rio, da etnia kambeba.

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"Por meio do projeto eu consegui entrar no esporte e através do esporte conseguimos bolsa na faculdade. Foi muito importante. Hoje eu posso representar o estado do Amazonas e o Brasil também", disse, destacando que está terminando o curso de ciências contábeis.Medalha de ouro nos Jogos Sul-americanos Conchabamba 2018, Graziela Santos destaca as oportunidades que o esporte e o projeto de arquearia proporcionaram em sua vida. A atleta é uma das melhores do Brasil e, assim como toda sua equipe, é contemplada pelo programa Bolsa Atleta.

Graziela Santos é uma das atletas reveladas pelo Projeto Arquearia Indígena. Foto: Rafael Brais/rededoesporte.gov.br
"Por meio do projeto eu consegui entrar no esporte e através do esporte conseguimos bolsa na faculdade. Foi muito importante. Hoje eu posso representar o estado do Amazonas e o Brasil também"
Graziela Santos, atleta do tiro com arco

Dedicada ao esporte, Graziela relembra como era sua vida em sua comunidade e como sua vida mudou após passar na seletiva para integrar o Arquearia Indígena. "Eu ficava em casa, ajudava no dever de casa com a mamãe pela manhã e de tarde eu estudava um pouco e jogava futebol. De noite, ia para escola. O barco passava lá em casa e voltava dez horas da noite", lembrou. "Aqui em Manaus a gente veio para treinar, passa o dia treinando, de manhã e de tarde, e de noite, faculdade. O esporte me trouxe a oportunidade de conhecer outros estados e países", descreveu.

Orgulho

Poder viver como atleta do Tiro com Arco, modalidade que possui semelhanças com o Arco e Flecha, que é uma tradição entre os povos indígenas, é motivo de orgulho para Graziela e sua família. "Sinto muito orgulho. Lá em casa, eu já praticava o arco e flecha nativo, porque tem essa modalidade nos Jogos Interculturais Indígenas. Eu treinava, mas não participava porque não tinha para mulher", afirmou.

Um dos destaques da equipe, Drean Braga foi um dos principais nomes nas seletivas para os Jogos Olímpicos 2016. Por detalhes, o objetivo de ter um indígena no Tiro com Arco nas Olimpíadas foi adiado. "Foi um sonho de colocar um indígena nas Olimpíadas. Nosso trabalho e evolução foram muito rápidos. Não deu, mas o foco agora é Tóquio 2020. Vamos fazer de tudo para encaixar um de nossos atletas nas Olimpíadas para representar não apenas o Amazonas como todos os povos indígenas", afirmou.A evolução na carreira também trouxe a distância da família. Em épocas de competições importantes, ela chega a ficar dois meses seguidos longe de sua casa. "Voltei para casa e levei minha medalha (dos jogos Sul-americanos) para mostrar para o papai, para mamãe e vovó. Eles ficaram muito felizes. Fico muito tempo longe de casa, mas é por uma boa causa. E para eles é um orgulho eu estar nesse projeto e representar o Amazonas e o Brasil tão bem assim", comentou.

Drean Braga, da etnia kambeba, é um dos destaques da equipe. Foto: Rafael Brais/rededoesporte.gov.br

"O foco agora é Tóquio 2020. Vamos fazer de tudo para encaixar um de nossos atletas nas Olimpíadas para representar não apenas o Amazonas como todos os povos indígenas"
Drean Braga, atleta do tiro com arco

Aníbal Forte, técnico especialista do projeto, encarou desde o começo esse desafio de
colocar um atleta indígena nas Olimpíadas. "Isso era 2014 e fazer isso em dois anos era praticamente impossível. Aceitamos o desafio e colocamos esses meninos para treinar em uma condição muito acima do que geralmente faríamos com atletas iniciantes", relembrou. "Eles treinavam quatro horas por dia para chegar na época os Jogos Olímpicos com uma condição técnica razoável".

Mesmo não alcançando a vaga para os Jogos Rio 2016, Forte considera que o projeto foi um sucesso. "Três deles conseguiram entrar nas seletivas para os Jogos e isso para mim foi um grande sucesso em função do pouco tempo que nós tínhamos. Nesse esporte leva-se de 10 a 12 anos para se ter um atleta olímpico", disse, salientando que o novo ciclo olímpico já começou para os atletas indígenas que treinam ali.

"Agora a gente tem atletas aqui com experiência, com bagagem suficiente para disputar uma vaga para Tóquio. Treinamento e condicionamento físico eles têm. O que eles precisam é ganhar força mental e treinar e competir com atleta de alto rendimento", afirmou.

Além da evolução dentro do esporte, os meninos indígenas também evoluíram como cidadãos e como pessoas. "Eles já conheceram 12 países por meio do esporte. Hoje temos atletas que se formaram em ciências contábeis, que estão fazendo educação física. Então não são só atletas. São cidadãos que estão sendo formados para que se a modalidade esportiva não seguir, eles vão ter um futuro vindo do esporte", apostou.

Começo

O idealizador do projeto Arquearia Indígena, Virgílio Viana, explica que a iniciativa surgiu de uma inquietude da Fundação Amazonas Sustentável diante de um problema de suicídio entre jovens indígenas em toda a Amazônia.

"Esse é um problema complexo, mas parte dele está associada a baixa autoestima dos povos indígenas", afirmou. Por ocasião dos Jogos Rio 2016, Viana traçou um plano de preparar jovens atletas indígenas para as Olimpíadas. "Daí pensei: 'qual modalidade faria mais sentido?' Arquearia, porque o jovem índio ou índia nasce com um presente dos pais que é um pequeno arquinho. Depois, quando jovem, aprende a pescar e a caçar com o arco e flecha", comentou.

Em 2012, Virgílio idealizou o projeto, estruturou um planejamento e realizou as primeiras conversas com instituições parceiras. No ano seguinte, teve início o trabalho voluntário para caça-talentos na região, foi criada a Escola Floresta Flecha e houve a primeira viagem dos arqueiros já selecionados para treinamento na Vila Olímpica.

Virgílio Viana: felicidade com o sucesso do projeto que ele idealizou . Foto: Rafael Brais/rededoesporte.gov.br
"O objetivo era ter um jovem indígena vencedor. E isso alcançamos com muitos atletas. Dos jovens atletas indígenas que iniciaram o programa de formação de alto rendimento, tivemos todos concluindo o ensino médio e quase todos já estão na universidade. Coisa que era impensável naquele ambiente familiar de onde são originários"
Virgílio Viana, idealizador do projeto Arquearia Indígena

Ainda em 2013, o projeto foi apresentado ao Ministério do Esporte para aprovação na Lei de Incentivo ao Esporte. Em 2014, os atletas das comunidades indígenas se mudaram para a Vila Olímpica para treinamento. Cinco deles recebem bolsa de estudos. O desempenho em competições começou a chamar atenção e quatro integrantes da equipe foram chamados para treinarem com a seleção brasileira em Maricá – RJ.

Viana ressaltou que o projeto teve uma adesão imediata e entusiasmada dos indígenas e alcançou um enorme êxito. "Nós temos vários arqueiros que foram premiados, já receberam medalhas de ouro em campeonatos nacionais e internacionais", destacou, citando que a presença dos atletas nos jogos Olímpicos do Rio de Janeiro não ocorreu por detalhes.

"O objetivo era ter um jovem indígena vencedor. E isso alcançamos com muitos atletas. Por um detalhezinho eles ficaram de fora dos Jogos Olímpicos. Estamos mirando Tóquio, queremos levar os indígenas e trazer uma medalha para o Brasil", adiantou.

O criador do projeto destaca a importância da Lei de Incentivo ao Esporte não apenas no sentido de produzir atletas, mas para preparar cidadãos. "Dos jovens atletas indígenas que iniciaram o programa de formação de alto rendimento, nós tivemos todos concluindo o ensino médio e quase todos já estão na universidade. Coisa que era impensável naquele ambiente familiar de onde são originários", explicou. "É uma abertura de oportunidade para sonhos, para planos de vida, além da experiência de viajar pelo mundo", afirmou.

Lei de incentivo ao Esporte

A Lei de Incentivo ao Esporte está em vigor desde 2007 e, desde então, já captou R$ 2 bilhões para projetos esportivos. Só em 2017, 1,2 milhão de pessoas foram beneficiadas de forma direta pelos projetos aprovados via LIE. O mecanismo permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda (IR) em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. Empresas podem destinar até 1% desse valor e ainda acumular com investimentos proporcionados por outras leis de incentivo. O teto para pessoas físicas é de 6% do IR.

"A Lei de Incentivo ao Esporte foi muito importante, pois permitiu uma captação de recursos adicionais e um planejamento maior, porque um projeto desses não é de curto prazo, ele leva muitos anos. A Lei de Incentivo permitiu uma estruturação maior da equipe na formação de atletas e na participação em eventos esportivos", analisou Viana.

Rafael Brais, rededoesporte.gov.br