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Tenis de mesa

18/06/2019 11h20

Tênis de Mesa

Bruna Alexandre renova sonho de ser a primeira atleta paralímpica brasileira a atuar em Jogos Olímpicos

Número dois do mundo na Classe 10, atleta catarinense venceu a seletiva olímpica para o Pan-Americano de Assunção, no Paraguai

A catarinense Bruna Alexandre, de 24 anos, é uma colecionadora de pioneirismos. Nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, foi protagonista da primeira medalha individual do tênis de mesa brasileiro na história dos megaeventos olímpicos e paralímpicos. De quebra, tornou-se a primeira atleta feminina da modalidade a subir ao pódio, com o bronze individual na Classe 10. Não contente, conquistou outro bronze inédito na sequência, na disputa por equipes das classes 6 a 10, ao lado de Danielle Rauen e Jennyfer Parinos.

Bruna durante os Jogos Paralímpicos Rio 2016: bronze na Classe 10. Foto: André Motta/rededoesporte.gov.br
"Eu tenho mesmo esse sonho olímpico. Conseguir essa vaga no Pan-Americano me fez abrir ainda mais a mente. Minha parte quero fazer"
Bruna Alexandre

Ao lado das mesmas companheiras, levou o Brasil pela primeira vez ao topo do pódio de um Mundial por equipes num torneio das classes 9 a 10 em Bratislava, na Eslováquia, em 2017. Atual número dois do mundo no ranking de sua classe, Bruna é integrante da Bolsa Pódio, a principal categoria do programa Bolsa Atleta, da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. Está com o caminho pavimentado para representar o Brasil pela terceira vez seguida em uma edição de Jogos Paralímpicos (foi quinta colocada na edição de Londres, em 2012).

Zona de conforto, contudo, não é o forte da atleta de 1,62m, natural de Criciúma. Bruna alimenta desde sempre o sonho de esticar a fronteira imposta por suas limitações. A atleta sofreu a amputação do braço direito aos seis meses de idade, consequência de uma trombose causada por uma injeção mal aplicada. Embora a ausência do membro signifique uma perda natural de balanço e equilíbrio, isso não a impede de disputar em alto nível também o tênis de mesa olímpico, mesmo diante das melhores do país.

Prova disso ela deu no último domingo (16.06). Diante de 15 adversárias da elite nacional, ela conquistou o título da seletiva que valia vaga para o Campeonato Pan-Americano da modalidade, que será disputado em setembro, em Assunção, no Paraguai. Ainda que já tenha frequentado a seleção olímpica por indicação técnica em outras oportunidades, foi a primeira vez que ela referendou o próprio potencial em uma eliminatória.

"Na categoria adulto, na mesa mesmo, foi a primeira vez que conquistei a vaga. Isso é muito importante. Venci adversárias fortes, que jogam frequentemente na seleção. É um sonho realizado", disse Bruna, que treina cinco vezes por semana, sempre em dois períodos. Pela manhã, em São Caetano (SP), com suporte do técnico Francisco Arado, da seleção masculina olímpica, e à tarde no Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo, com a seleção brasileira permanente, sob comando dos técnicos Paulo Molitor e Rafael Moreira.

Bruna no Mundial de outubro de 2018 e domingo, após a seletiva: 12 quilos a menos e muita mobilidade a mais. Fotos: Roberto Castro/rededoesporte.gov.br (E) e Arquivo Pessoal

A balança como adversária

Movida por desafios, Bruna não nega a aspiração de se tornar a primeira atleta paralímpica brasileira na história, entre todos os esportes, a disputar uma edição de Jogos Olímpicos. "Eu tenho esse sonho. Conseguir essa vaga no Pan-Americano me fez abrir ainda mais a mente. Muita gente veio falar comigo. Não sei se é bom ou ruim ficar pensando tanto, mas minha parte quero fazer", afirmou.

"Todos os que tiverem condições de representar o Brasil estão na briga. Depende só dela. Temos, claro, outras atletas jovens despontando. Torço para que ela possa fazer o melhor pelo Brasil, seja no paralímpico ou no olímpico"
Hugo Hoyama, técnico da seleção olímpica feminina

Um dos investimentos estratégicos de Bruna vem sendo num acompanhamento nutricional detalhado com Daniel Paduan, do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). O controle de peso sempre foi questão relevante para a atleta, em especial numa modalidade em que o fator físico é preponderante. O sinal de alerta mais expressivo veio depois do Mundial da Eslovênia, em outubro de 2018, quando Bruna foi eliminada nas quartas. Ela saiu da competição chateada com as limitações que o peso lhe impôs.

"De lá para cá consegui perder 12 quilos. Quero perder ainda mais e seguir trabalhando forte. Tenho optado por uma dieta mais saudável, não só pelo fator esportivo, mas também pela saúde", afirmou Bruna, que já viu resultados práticos desse esforço na própria seletiva.

"Foi uma ótima surpresa. Tive partidas em melhor de cinco sets na fase de grupos e depois, na fase eliminatória, em melhor de sete. Nesse tipo de situação, é necessário ter muita resistência. E eu me senti mais leve, descansada, rápida, mesmo com a falta de equilíbrio natural que a ausência do braço causa", detalhou Bruna, que deixou pelo caminho atletas como Leticia Nakada, Daniela Yano, Giulia Takahashi, Tamyres Fukase, Lais Yuta e Katia Kawai.

Em paralelo à dieta, Bruna acrescentou a sua rotina um trabalho de preparação física e acrescentou novas habilidades a seu jogo, pautada em deficiências que a equipe técnica percebeu no último Mundial. "Além desse diagnostico de que era essencial a perda de peso, a gente percebeu lá que havia muitos atletas fortes que usavam pino curto (borracha que neutraliza alguns efeitos e impõe um tempo de bola diferente ao jogo), e que ela tinha dificuldade com jogadores com essa característica. Era muito boa com bolas rápidas e profundas, com giro e velocidade, mas faltava um treino específico para jogar mais em cima da mesa contra atletas que usam pino curto. Fizemos esse ajuste e, por coincidência, as melhores meninas na seletiva de domingo usavam pino curto. Isso fez para ela uma diferença enorme", afirmou Paulo Molitor, técnico da seleção paralímpica.

"Ela tem trabalhado duro para evoluir na parte física, principalmente nos treinos no CT Paralímpico, com os técnicos da seleção. Eles estão de parabéns pela evolução obtida com a Bruna. A classificação para uma Olimpíada é sempre uma coisa especial e bem difícil de se atingir. Ela tem que ter um objetivo claro e trabalhar duro para alcançar essa meta", afirmou Francisco Arado, conhecido como Paco.

Corrida olímpica

Ainda que esteja motivada, Bruna mantém os pés no chão. Ela sabe que o caminho olímpico até Tóquio é longo, incerto e depende de uma série de variáveis. Uma delas passa pela própria capacidade de a seleção conquistar a vaga para a equipe nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020.

A primeira e mais clara oportunidade para o time nacional, atualmente composto por Bruna Takahashi (62ª do mundo), Jessica Yamada (144ª) e Caroline Kumahara (286ª), é o Pré-Olímpico latino-americano, que será em Lima, no Peru, entre 25 e 27 de outubro. O problema é que só o campeão leva a vaga e o direito de ter um time completo em Tóquio, com três atletas. Quem não conseguir terá nova chance no Pré-Olímpico Mundial, contra adversários bem mais complicados, em janeiro de 2020.

A saída de Lin Gui da seleção, por problemas físicos crônicos, deixou uma brecha mais 'alcançável' na terceira vaga da seleção olímpica feminina. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Ficou menos impossível

Embora seja uma tarefa complexa entrar nesse grupo das três titulares da seleção, a missão se tornou "menos impossível" na semana passada, quando Lin Gui, de 25 anos, anunciou a aposentadoria da seleção. A chinesa que se naturalizou brasileira vinha em ótima fase, chegou à 87ª posição no ranking em junho de 2019, mas se rendeu a problemas físicos crônicos.

"Fiz uma cirurgia de tornozelo em 2012 e, desde então, sofro com dores pós-cirurgia. Sempre que a intensidade de treinos aumenta, a dor piora. Com a idade passando, o tempo de recuperação piorou. A cada ano sentia mais dificuldade de me manter 100%. Passei a sentir muitas restrições na parte física e técnica", lamentou Lin Gui, que agora foca em passar em uma prova de idioma para fazer um MBA na China. "Foi uma pena a saída dela, porque vinha bem, crescendo, no Top 100, ganhando de várias jogadoras boas, mas é inegável que a saída dela abre um espacinho para sonhar", disse Bruna. 

Ela e Lin Gui já chegaram, inclusive, a ser parceiras, exatamente no Campeonato Pan-Americano, mas em 2017. O histórico de serviços pregressos à seleção olímpica é lembrado, inclusive, pelo técnico da seleção olímpica feminina, Hugo Hoyama.  "Elas duas, ao lado da Bruna Takahashi, foram campeãs por equipe. Ganhamos dos EUA na final pela primeira vez", afirmou Hoyama. "Eu tenho por padrão sempre dar chance para todas as atletas. Todos os que tiverem condições de representar o Brasil estão na briga. Depende só dela. Temos, claro, outras atletas jovens despontando. Torço para que ela possa fazer o melhor pelo Brasil, seja no paralímpico ou no olímpico. Vamos ver de agora para frente como vai ser", completou o treinador.

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Natalia Partyka: tetracampeã paralímpica na Classe 10 e com duas participações em Jogos Olímpicos (2008 e 2012) pela Polônia. Foto: André Motta/rededoesporte.gov.br

Inspiração em Natalia Partyka

Se para o Brasil seria algo inédito ter uma representante paralímpica em Jogos Olímpicos, para o tênis de mesa não chega a ser uma novidade. O esporte, inclusive, tem uma "rainha" nesse quesito. Tetracampeã paralímpica na Classe 10 (2004, 2008, 2012 e 2016), a polonesa Natalya Partyka também disputou por seu país os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, e de 2012, em Londres.

Partyka é a principal adversária de Bruna no circuito paralímpico. A brasileira nunca conseguiu superar a rival. Esteve muito perto na semifinal dos Jogos Rio 2016. Bruna chegou a abrir 2 x 1, mas acabou tomando a virada para 2 x 3. "Acho que se inspirar em alguém é maravilhoso. Isso me motiva todos os dias a querer mais, a crescer mais e a seguir os passos dela, que é realmente uma referência do esporte", disse Bruna.

Nos Jogos Rio 2016, Melissa Tapper foi outra que fez história. A atleta se tornou a primeira australiana a se classificar para a mesma edição de Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Coincidentemente, o caminho dela parou duas vezes diante de brasileiras. Na disputa do bronze por equipes nos Jogos Paralímpicos, foi vencida pelo time com Bruna Alexandre, Jennyfer Parinos e Danielle Rauen. Na chave de simples dos Jogos Olímpicos, foi eliminada pela paulista Caroline Kumahara.

Gustavo Cunha - rededoesporte.gov.br