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Geral

16/03/2018 09h50

Jogos Paralímpicos de Inverno

André Cintra cumpre "profecia" do técnico e alcança o top ten

Brasileiro fica em décimo na prova de banked slalom do snowboard. Holandesa que passou por cirurgia em função de um câncer há três meses conquista o segundo ouro e se torna símbolo dos Jogos de PyeongChang

"Mesmo sem experiência no banked slalom, ele vai fazer uma descida suave e terminará no top ten". A frase de Ryan Rausch, treinador de André Cintra, na quinta-feira, teve significado profético nesta sexta, no Centro Alpino de Jeongseoun. O atleta paulistano seguiu o script: com momentos de velocidade acompanhados de instantes de opção pela segurança, ele completou duas das três descidas do trajeto de 604 metros entre 28 portões e 14 curvas de forma limpa, sem quedas.

André Cintra durante a prova de banked slalom nos Jogos de PyeongChang. Foto: Daniel Basil/MPIX/CPB

Levando em conta só a segunda tentativa, André fez o sétimo melhor tempo. Com as três somadas dos 13 competidores, terminou na décima colocação. "Estou pasmo. Não posso acreditar que tudo funcionou como eu havia dito. Você sempre pode fazer melhor, é claro, mas, para o tempo que pudemos investir na neve, ele foi impecável. Estou orgulhoso", afirmou o treinador.

"Não posso acreditar que tudo funcionou como havia dito. Você sempre pode fazer melhor, é claro, mas, para o tempo que pudemos investir na neve, ele foi impecável. Estou orgulhoso"
Ryan Rausch, treinador de André

"Essa é uma prova diferente, nova. Tenho bem menos experiência. Conseguir o sétimo tempo na segunda descida foi uma grande vitória", comentou André, que sofreu apenas uma queda, no fim da primeira tentativa. "Aquele era um instante de sentir como estava a pista. Ontem, quando treinamos, estava 15 graus positivos e havia chovido. A neve estava completamente mole e um calor danado. Hoje, a condição era completamente diferente. Esfriou muito à noite, nevou e a pista estava bem "ice", dura. Infelizmente caí, mas a segunda descida foi ótima", avaliou o atleta, que cravou 1min07s88.

O campeão na categoria LL1 foi o americano Noah Elliott, com 51s90. O atleta de 20 anos liderou a prova o tempo inteiro. Ele já era skatista e snowboarder antes de passar por um câncer ósseo, aos 17 anos, que lhe obrigou a amputar a perna esquerda. A medalha de prata ficou com Mike Schultz, medalhista de ouro na modalidade cross em PyeongChang. Ele teve como melhor tempo 53s42. Completou o pódio o croata Bruno Bosnjak, de 34 anos, o mais empolgado por chegar ao pódio em sua primeira Paralimpíada. Para isso, encaixou uma descida de 54s08 na segunda tentativa.

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"Estou verdadeiramente feliz de conseguir conquistar a medalha. É minha primeira edição de Jogos Paralímpicos. Eu até já tenho uma prata em etapa de Copa do Mundo, mas estava tentando muito essa. Claro que podia ter feito melhor, mas é uma medalha paralímpica, o que mais poderia querer?". Bosnjak é atleta do snowboard desde os 13 anos. Ele sofreu um acidente numa seletiva para tentar a vaga olímpica para os Jogos de Torino, em 2006. A lesão na coluna vertebral reduziu sua mobilidade. "Estou feliz demais de voltar a competir e conquistar essa medalha".

"Quem está aqui veio das classificatórias dos mundiais, das copas continentais. Ser Top 10 é uma grande vitória do Brasil"
André Cintra

Ainda é cedo

Dos três atletas da delegação nacional na Coreia do Sul, André é o mais experiente. Aos 38 anos, tem no currículo também os Jogos Paralímpicos de Sochi. "Se a gente for olhar como um todo, saímos do vigésimo sétimo na Rússia para o décimo aqui. Subi 17 posições, é uma vitória. É importante ressaltar que aqui só chegam os que passaram por todas as seletivas. Quem está aqui veio das classificatórias dos mundiais, das copas continentais. Ser Top 10 é uma grande vitória do Brasil", avaliou o atleta, que prefere não projetar se terá outro ciclo pela frente.

"Acho que ainda não é hora de falar nisso. É hora de celebrar. Para o Brasil, é um resultado interessante. Claro que a gente gostaria de ter ido melhor, mas precisamos lembrar que o nosso país não tem neve. É o começo de um trabalho. É apenas o nosso segundo ciclo", reforçou. Segundo ele, o país ainda tem muito chão pela frente. "Estamos aprendendo sobre a neve em muitas modalidades. A cada ciclo estamos vindo mais fortes, aprendendo a treinar melhor, entendendo sobre os materiais, as técnicas. Estamos chegando cada vez mais próximos", avaliou.

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André e o técnico canadense Ryan: parceria com ineditismos para os dois. Foto: Gustavo Cunha/rededoesporte.gov.br

O snowboard paralímpico, aliás, é novidade até para os mais experientes. A modalidade fez apenas a segunda aparição no programa dos Jogos de Inverno em PyeongChang. O próprio Ryan Rausch, ainda que tenha 18 anos de experiência como treinador de snowboard, confessa ainda estar tateando no universo dos paralímpicos.

"O André foi a minha primeira experiência. Há muitas diferenças, principalmente em função dos movimentos que são possíveis realizar com uma prótese. É um mundo completamente distinto e tem sido uma grande aventura", afirmou Rausch, que é canadense de origem. 

André precisou amputar a perna direita acima do joelho depois de um acidente de moto quando tinha 17 anos. A prótese dele é desenvolvida pela empresa do atleta americano Mike Schultz. Ouro e prata em PyeongChang, Schultz amputou a perna acima do joelho após um acidente com motos de neve, modalidade que ele praticava. A empresa desenvolveu ao longo do tempo um joelho mecânico acoplado à prótese que ajuda os atletas a ganharem mais mobilidade.

"A cobaia dele foi ele mesmo. Ele foi testando e melhorando. Tem feito um trabalho de melhoria constante no joelho. Essa minha prótese eu uso desde Sochi. Já mandei arrumar várias vezes. É como se fosse um carro para o mecânico. Desmonto, mando, eles trocam as peças e mandam de volta para eu fazer meus ajustes pessoais de angulação, de pressão. Dentro dos amortecedores tem ar. Aí você tem de ajustar a quantidade, porque esse ajuste deixa você mais ou menos flexível", detalhou André.

Confira a descida que valeu o ouro a Noah Elliott

In competition with yourself 💪

Noah Elliot betters his time to secure #Parasnowboard #Gold for #USA#PyeongChang2018 #Paralympics pic.twitter.com/Gg4iqUU4vB

— World Para Snowboard (@Parasnowboard) 16 de março de 2018

 

Segundo o atleta, a história do país nos Jogos Paralímpicos de Inverno é um sinal importante para novos "aventureiros". "Quem realmente tiver vontade de ser atleta, independentemente de ter algum tipo de deficiência, tem de tentar até conseguir. Os desafios de inverno são maiores, pela questão do tipo de treino e do perfil do nosso país, mas estamos aqui porque é possível", ressaltou.

Bibien Mentel-Spee luta contra o câncer desde 1999. Soma quatro títulos mundiais e três ouros paralímpicos. Foto: Joel Marklund/OIS/IOC

Mentel-Spee, a artista do impossível

Possível, aliás, é a palavra que a holandesa Bibien Mentel-Spee faz todos os que a observam numa pista de snowboard pronunciarem com mais ênfase. A terceira e última tentativa da atleta nesta sexta foi sob intensa pressão. A americana Brittani Coury havia cravado 59s87, marca que parecia insuperável. Mentel-Spee, que já havia conquistado o ouro na modalidade cross, fez uma descida improvável, veloz, inclusive incompatível com o que tinha feito até então no dia. Cravou 56s94, contra outras duas descidas acima de um minuto. Recebeu aplausos do público, do locutor e das adversárias.

"Dessa vez, basicamente, a minha coluna vertebral estava entrando em colapso. Os médicos me disseram que se eu não fizesse a cirurgia eu provavelmente ficaria paralítica em um ano. Eu estou extasiada em ver que tudo deu certo"
Bibien Mentel-Spee

A história recente da holandesa de 45 anos é emblemática e a torna a estrela de maior brilho nos Jogos da Coreia do Sul. Nos últimos três meses, ela passou por duas cirurgias para remover uma vértebra cancerígena do pescoço depois que mais um tumor foi descoberto. O câncer já apareceu nove vezes na vida da atleta desde 1999. Em uma delas, exigiu que ela amputasse a perna direita abaixo do joelho. 

"Dessa vez, basicamente, a minha coluna vertebral estava entrando em colapso. Os médicos me disseram que se eu não fizesse a cirurgia provavelmente ficaria paralítica em um ano. Eu estou extasiada em ver que tudo deu certo e consegui mais esse ouro", afirmou a atleta, que pratica snowboard desde os 20 anos de idade. No ambiente do esporte adaptado, soma quatro títulos mundiais e três ouros paralímpicos.

Confira o momento em que a atleta holandesa recebe a medalha de ouro:

Never. Been. Beaten!@BibianMentel collects her second #Gold of #PyeongChang2018 and the third of her career!

The #Ned snowboarder has won every event she has entered!#Paralympics #ParaSnowboard pic.twitter.com/vRPGcbEURr

— World Para Snowboard (@Parasnowboard) 16 de março de 2018

"Ela é boa o bastante para vencer a batalha contra o câncer e conquistar dois ouros aqui. É incrível como atleta e como pessoa, e representa todos os valores do esporte. É uma estrela", afirmou Brittani Coury, que acabou com a prata. O bronze ficou com a holandesa Lisa Bunschoten. "Ela é um exemplo de superação. Teve as dificuldades todas e voltou a competir. Um exemplo de atleta focada, superando as dificuldades externas e internas", completou André Cintra.

Gustavo Cunha, de PyeongChang, na Coreia do Sul - rededoesporte.gov.br