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Natacao paralímpica

11/09/2016 02h26

Rio 2016

Admiração mútua e emoção em dose dupla marcam o pódio de norte-americano e brasileiro na natação

Exemplo para o catarinense Matheus Rheine, que levou o bronze, Bradley Snyder comemora o ouro e o orgulho que sentiu ao ver o amigo ser ovacionado pela torcida no Estádio Aquático

Mais do que o espírito esportivo, o abraço entre o campeão dos 400m livre classe S11 e o terceiro lugar, no pódio do Estádio Aquático, na noite deste sábado (11.09), simbolizou o companheirismo e a admiração mútua entre duas pessoas que dividem a mesma paixão, enfrentam as mesmas dificuldades e encaram a vida de maneira similar. Ao fim da cerimônia de premiação, o norte-americano Bradley Snyder, ouro na prova, fez questão de dizer a Matheus Rheine, bronze, que parte da felicidade que estava sentindo era por presenciar a conquista do catarinense diante dos torcedores brasileiros.     

“Quando estamos na água, todos querem tocar a parede primeiro. Mas depois que acaba, somos todos caras cegos lidando com a vida e lutando contra os mesmos obstáculos. Somos amigos primeiro e depois adversários. Isso é ótimo. Eu sou grato por ter tido essa experiência junto com o Matheus, que conquistou uma medalha em frente à sua torcida, em seu país”, vibrou Snyder, que perdeu a visão totalmente ao ser vítima de uma mina durante uma missão com a marinha dos Estados Unidos no Afeganistão, em 2011.

Ouro nos 400m livre S11, Bradley Snyder ergue os braços do brasileiro Matheus Rheine, que foi bronze: companheirismo e respeito. Foto:Washington Alves/MPIX/CPB

Especialista em explosivos, Bradley tentava ajudar os companheiros – dois deles haviam sido vítimas de explosão - quando pisou em um dispositivo secundário e foi atingido. Por pouco não morreu. Na verdade, ele conta que ao sentir o calor na face, por um momento pensou que tinha chegado sua hora. Não sabia que, ali, começaria uma nova vida. A natação, que já praticava antes do acidente, ajudou na recuperação e, exatamente um ano depois, Brad subia ao lugar mais alto do pódio nos Jogos Paralímpicos de Londres.

“Quando estamos na água, todos querem tocar a parede primeiro. Mas depois que acaba, somos todos caras cegos lidando com a vida e lutando contra os mesmos obstáculos. Somos amigos primeiro e depois adversários. Eu sou grato por ter tido essa experiência junto com o Matheus, que conquistou uma medalha em frente à sua torcida”
Bradley Snyder

“Em Londres, só fazia um ano que eu estava cego. Tudo era novo. Agora estou cego há cinco anos e nesse tempo pude entender o mundo melhor. Em Londres tudo foi rápido. Aqui eu posso realmente aproveitar. Lembro que ao entrar na piscina hoje eu estava sorrindo e pensando ‘Nossa, isso é tão legal!’”, contou, explicando que, mesmo durante o pódio, tinha consciência de que o importante para a torcida era a presença de Matheus e não quem havia ganhado o ouro. “Isso te faz sentir humildade. Ninguém se importava que eu tinha ganhado o ouro. E eu fiquei orgulhoso pelo Matheus, porque ele é um cara incrível, um ser humano de espírito acolhedor. Acho que isso é que faz a Paralimpíada tão especial”.

Uma conversa com o próprio Matheus basta para notar que o respeito é recíproco e as palavras do norte-americano não são ditas da boca para fora. “Ele é um dos caras mais humildes que já conheci. Tenho o máximo respeito por ele, pelo que ele faz, como ele inspira as pessoas. A gente tem ideais que se encontram e ele com certeza tem um coração gigante. Tenho só a agradecer”, disse o brasileiro, lembrando de quando o norte-americano o presenteou com um relógio desenvolvido especialmente para deficientes visuais. Criado em homenagem a Bradley, o relógio batizado com o nome dele utiliza um mecanismo magnético que controla duas esferas, permitindo que o usuário saiba as horas por meio do toque, sem precisar olhar o mostrador.

História em livro

A inspiração é tanta que Matheus mal pode esperar para ler o livro lançado por Snyder, com a história do nadador norte-americano. “Estou louco para ler. Assim que tiver um tempo vou ler. Chama-se ‘Fire in My Eyes’ (Fogo nos Meus Olhos, em tradução livre)”, contou Matheus. “Fico honrado em saber que o Matheus quer ler. Eu queria contar a história porque aprendi muito com a experiência de perder a visão e hoje acho que a vida é muito rica. Eu queria compartilhar essa perspectiva com as pessoas. Eu quero que você valorize sua vida do mesmo jeito que valorizo a minha”, acrescentou Brad.

“É uma emoção em dose dupla, tripla, mil vezes elevado a tudo que se pode imaginar. Eu peguei a medalha, passei a mão nela de todos os ângulos e formas. Quando eu deitar no travesseiro, vou lembrar de tudo que fiz e só tenho a agradecer a Deus porque a felicidade não cabe no peito"
Matheus Rheine

Emocionado com o carinho do público, o norte-americano espera contribuir para afastar o estereótipo de “coitadismo” por vezes ainda atrelado ao paradesporto. “Quando as pessoas me veem, porque sou cego, elas pensam ‘Oh, que pena’. Elas pensam que deve ser difícil para mim ser cego, mas quero dizer que não. É maravilhoso, eu tenho uma vida ótima, posso fazer muitas coisas boas. E eu acho que o Matheus é assim também. Ele valoriza a vida dele, faz um trabalho ótimo e compartilha isso com a comunidade. Eu gostaria de mostrar isso para os brasileiros também. Valorize sua vida o máximo possível, mesmo que você passe por uma experiência difícil, como perder a visão ou uma perna”.

Com o tempo de 4min41s05, Matheus Rheine ficou a nove décimos da prata, que foi para o americano Tharon Drake. A distância para Bradley foi de mais de 12 segundos, mas para o brasileiro, que perdeu a visão ainda nos primeiros dias por ter nascido prematuro, o mais importante foi marcar a evolução em sua carreira com um bronze diante do Estádio Aquático lotado e da família.

“É uma emoção em dose dupla, tripla, mil vezes elevado a tudo que se pode imaginar. Eu peguei a medalha, passei a mão nela de todos os ângulos e formas. Quando eu deitar no travesseiro, vou lembrar de tudo que fiz e só tenho a agradecer a Deus porque a felicidade não cabe no peito. Nunca consegui imaginar que a medalha fosse fazer um barulhinho assim. Como pode? A gente sempre tem que ter um sonho, e eu sabia que era possível”, brincou o brasileiro, balançando a medalha projetada também para os atletas com deficiência visual.  

Daniel Dias conquistou o bronze nos 50m borboleta e somou sua 18ª medalha em Jogos Paralímpicos. Foto: Miriam Jeske/Heusi Action/Brasil2016.gov.br

Mais uma medalha para a coleção

Além do bronze com Matheus Rheine, o Brasil ganhou mais um bronze com Daniel Dias, nos 50m borboleta classe S5. O ouro ficou com o norte-americano Roy Perkins, e a prata foi para o chinês Shiwei He. Embora o ouro não tenha vindo, a 18ª medalha de Daniel em Jogos Paralímpicos teve gosto especial para o brasileiro. Ao subir ao pódio, ele foi ovacionado pelo público da mesma maneira que tinha sido quando conquistou o primeiro lugar nos 200m livre, na quinta-feira (08.09).

“O que eu recebi no pódio não tem preço. Valeu mais do que a medalha de ouro, muito mais. Tenho que agradecer demais a esse público”, disse Daniel, que depois da premiação foi até a arquibancada, passou pelas posições dos fotógrafos e abraçou a esposa e os dois filhos. Agora, ele soma 11 ouros, 5 pratas e 2 bronzes em Paralimpíadas. 

Outros brasileiros

Outros brasileiros disputaram finais na noite deste sábado nas competições de natação no Estádio Aquático, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca. Nos 100m peito SB7, Verônica Almeida ficou com o sétimo lugar. Joana Maria Silva conquistou a sexta posição nos 50m borboleta S5. Maiara Barreto foi sétimo lugar nos 50m costas S3. Nos 100m costas S10 masculino, Andre Brasil ficou com a quarta colocação. E Mariana Ribeiro foi sexto lugar nos 100m costas S10 feminino.   

Mateus Baeta - Brasil2016.gov.br